Na mesma semana alguns meses atrás, vi o Sol se por atrás de um vulcão, e uma tempestade em alto mar castigando a minha embarcação com ondas de sete metros. Eu vi coisas grandes. A névoa ao redor da base do vulcão parecia um augúrio de que ele ainda observava, respirava e esperava por nós – por nosso descuido, descaso, pelo nosso adormecer. As ondas arrebentavam-se contra o casco do navio, e mais pareciam golpes de aço contra aço do que água contra o metal, perdi meu centro de gravidade várias vezes na mesma noite. Ainda assim, enquanto todos me alertavam quanto ao perigo, eu gritei a Poseidon para que ele trouxesse e me entregasse em mãos o seu pior – eu sorria e sorvia com Paixão Verdadeira a fumaça do meu cigarro enquanto tentava me manter em pé…
Após três meses em terra, cercado de concreto, por mais tonificados que estejam seus músculos, o principal deles começa a amolecer; o tal do coração. Os dias quentes dos trópicos sempre têm o efeito angustiante de me apertar o supracitado órgão vital, e o clima frio fora de época me trazia um alívio triste, como seria se você fosse um príncipe ou uma princesa, mas tivesse que se contentar com o título de Conde ou Condessa; é nobreza, sim, mas não é Real.
No entanto, mesmo tendo visto vulcões e tormentas que molestavam os corações mais fracos e que dos fortes, ao menos perturbavam o sono, a maior das coisas ainda estava por vir…
Creio que era o dia mais quente da minha Vida, e não exagero nisso. Tendências homicidas são meu cotidiano, é verdade, afinal meu sangue clama por guerra desde antes mesmo de eu entender o que era guerra, mas eu já começava a traçar planos e mortes – falo sério. Os ventiladores me irritavam com o seu barulho, e sopravam ar quente em minhas narinas. Eu queria arrancar a minha própria pele, pra sentir frio ao menos uma última vez, quando o sangue se esvaísse e em conjunto o ar fosse soprando em minha carne viva. Na ânsia de paz, me direcionei à janela do quarto pra destilar o fel que já tomava conta do meu sangue, mirando os transeuntes do alto do décimo andar e amaldiçoando suas existências, sem nem ao menos conhecê-las. Foi quando eu vi a maior de todas as coisas…
O céu ao fundo da cidade já não era mais cinza-chumbo, era negro. E o breu se estendia além da minha privilegiada vista de um dos pontos mais altos da cidade; o que não era concreto, asfalto, ou árvores era o escuro do céu. O vento, antes catalisador de um calor miserável, agora era dez vezes mais potente em seu sopro, gélido como o coração de quem se apaixonou um dia e foi rejeitado – e uivava perverso. As janelas tremiam por todo o prédio, as aves mal conseguiam voar, pessoas corriam e o mundo estava a apenas uma lágrima do pânico.
Começaram os relâmpagos, e os trovões não levaram mais de um segundo para acompanhá-los, ou seja, a tempestade estava logo acima de nós – enquanto o dia morfou-se em noite.
Eu não via mais a cara da cidade, senão quando os raios rasgavam o céu e traziam luz ao palco de Zeus.
Foi quando eu senti, pela primeira vez em anos, Medo.
Agarrando-me ao último fio de minha dignidade, não permiti que nenhuma lágrima escorresse pelo meu rosto, e me deixei levar pelo Medo para poder entender sua origem…
Eu temia, amigo, não a Tempestade, mas as grades da janela do meu quarto. Eu presenciava a maior execução de um trabalho de Arte da própria Mãe, por trás de grades, sendo que não cometi nenhum crime, e tampouco fui julgado – mas me senti condenado.
Não eram mil questões que se passavam pela minha cabeça, de fato era apenas uma: como eu cheguei a isso?
Gritei, chorei, solucei, uivei, rosnei, e salivava com ódio e fúria; selvagem, mas por dentro. Por fora, o rosto impassível, de olhos vítreos.
Não direi que sei a resposta com clareza, tampouco encerro minha penseira com lições de moral dúbia ou com frases que alavancam grandes questionamentos. Mas sei que foram os pequenos prazeres aos quais me rendi – que me impediram de poupar-me para financiar minha Liberdade –, sem dúvida, que alimentaram a fornalha fúnebre das ações que me levaram até onde eu estava no momento crucial de quando eu vi a mais bela e grandiosa das coisas que presenciei na Vida; atrás das grades…