Sozinha no quarto ela usa sua camisola de seda, já com as luzes apagadas se deita na cama.
Tenta observar o ventilador em seu compasso lento, tendo apenas a luz fria da tela do computador com o papel de parede escuro. A noite sem lua deixa tudo bem compacto aos seus olhos, e algumas vezes tem a impressão de que a hélice some de sua vista, reaparecendo milésimos de segundos depois. Esse jogo de luz a hipnotiza, e em poucos minutos ela se deixa levar pelo peso das pálpebras já maquiadas, no intuito de seduzir… Seduzir… Ele.
De olhos fechados ainda está consciente, mas com os pés já dançando no belo gramado coberto de névoa que separa o mundo acordado do mundo de Morfeu. Descobre que a janela entreaberta de seu quarto deixa entrar uma brisa fria pela mínima fresta, mas se recusa a abrir os olhos e deixar de valsar sozinha pela relva enevoada.
Sente que a brisa toca-lhe o corpo como se fossem mãos de um fantasma libidinoso e sorri. Lembra-se Dele, e lentamente, contrapondo o frio, de seu ventre origina-se o calor concentrado de uma lareira recém-acesa; longe de ser uma fogueira que possa fazer frente à brisa, mas com a promessa nítida de atingir esse status.
Questiona-se ‘porque algo que soa tão errado parece tão bom?‘. Todo seu íntimo entrou em conflito quando viu seu professor pela primeira vez – o homem dos olhos dourados – e uma vez em sua presença, pouco dava atenção à aula, exceto quando Ele escapava do cenário principal e destilava, disfarçado, um pouco de veneno em forma de pensares.
Amava quando ele dizia que viveu por todos os tempos de antes e depois do Tempo ser criado. Gostava de ouvir fábulas da Aurora do Tempo, quando Ele se colocava como observador das coisas primeiras…
Eis que domino várias línguas, para subjugar vários homens – dizia Ele – de níveis de consciência variados. E por isso disseram que ‘a serpente de língua bifurcada tem a fala de reis e plebeus’ em Evangelhos antigos e já perdidos…
Ao lembrar dessas palavras ela podia jurar que aqueles olhos dourados ardiam em brasa e delirava, contorcendo-se por dentro para não dar vazão física da carga de volúpia que esse discurso nela produzia. Mas a brisa e seus dedos fantasmagóricos já caminhavam por seu corpo quase soberanos, e ela sabia que hora ou outra cederia à Força Intrusa do ar gélido e lascivo…
Lembrou-se de quando Ele disse em segredo, que de suas alunas ela era a sua preferida para conversas pós-aula:
-Porque eu converso com os outros, mas eles dormem, sabe? Verdade que os adoro, pois são verdadeiros, já que os que dormem respondem mais sinceros – mas seu olhar acordado me deleita muito mais…
E essa outra lembrança levou suas travas para longe. Já não conseguia mais se negar, e seus dentes mordiam os lábios deixando os gemidos entrecortados, enquanto que outros lábios inundavam-se e lentamente se entumesciam, deixando úmido o fino pedaço de algodão que separava sua pele mais rósea da seda fina de sua veste noturna. O calor em seu ventre, agora sim, era fogo-fátuo que lhe percorria o corpo e trancava no passado o efeito da brisa fria – senão pelo deleitador contorno de mãos desejosas de percorrerem toda sua anatomia, e talvez sua alma. O compasso de seu fremer acompanhava a hélice do ventilador, e ia-se aumentando enquanto os gemidos escapavam pelos cantos de sua boca mordida com Paixão. Sentia como se mãos verdadeiras penetrassem, ardilosas e amáveis, sua cavidade de mulher; intermitentes, potentes, másculas, lascivas. Abriu os olhos com violência. Então, por fim, imaginou os olhos dourados Dele a observando… Desfez-se em puro orgasmo!
Minutos depois, ainda não conseguia falar, embora tentasse só lhe saíam da boca sussurros. Quis gritar de euforia, mas sua alma ainda estava em pedaços pelos cantos do quarto escuro, como brasas da fogueira que foram, queimando em prazer por seus últimos instantes. Olhou para o teto e esperou seu corpo e seu espírito tornarem-se de novo unidos, antes de se levantar. Enquanto isso vinha aos poucos, levou suas mãos ao alcance de sua vista e quedou-se admirada; seus dedos estavam úmidos. Ela sorriu.
Não teria sido tão bom se fosse mesmo a brisa a me tocar – disse em voz alta. Levantou-se de leve, arrumando os cabelos, e olhando-se no reflexo um tanto opaco do vidro da janela, percebeu quando um carro chegou aos portões de seu prédio; era Ele.
Respirou fundo e saiu correndo para colocar o vestido antes que ele chegasse, e lançando mão da presteza feminina, procurava nas sombras tanto o interruptor quanto o vestido. Achou a luz e depois o frente-única vermelho que lhe realçava a pele branca e os cabelos loiros longos. Sentiu-se cliché por um segundo, mas a campainha lhe cortara o pensamento. Numa segunda respirada forte, colocou a barriga pra dentro, estufou os seios e atendeu a porta.
Era o homem de olhos dourados; seu Mestre.
Vestia um terno impecável e trazia numa mão uma garrafa de algo que não lhe importava. Na outra mão, um conjunto de taças e uma única rosa vermelha – uma planta que ela ODIAVA. Mas hoje, tudo lhe causava emoções fortes e… positivas. Lançou-se à rosa e agarrou com força, fazendo os espinhos perfurarem sua mão. Ele sorriu, e disse:
-Sabia que fui eu quem inventou os espinhos?
-Não duvido… – respondeu a mulher.
-Posso entrar? – perguntou ele, já entrando e tirando o terno, à vontade como se fosse hábito estar lá, embora fosse a primeira vez que se viam fora da sala de aula.
-Laissez-faire – respondeu ela em francês impecável, e depois traduziu seu pensamento – já entrou faz tempo…
Olharam sérios um para o outro. A lâmpada queimou. Sorriram baixinho…