O Mago.

Trilha Sonora: The Wizard – Black Sabbath.

 

 

Eis que um Homem de Fé demandou que a montanha mudasse de lugar.

A decisão veio da análise de que seria melhor para o mundo ao seu redor que ela dali se mudasse, pois ele não pensaria apenas em si para querer mudar a montanha de lugar. Afinal, sua Fé é proveniente também da crença de que ele é instrumento de um Bem Maior, o que faz com que seu Egoísmo seja apenas uma sombra em seu passado.

E que fique claro de que quando digo Fé, quero dizer Fidelidade a si, às idéias e aos ideais superiores que todos temos, em diferentes níveis de consciência. Quando digo que havia um Homem de Fé, não disse que havia um homem que adorava Deus ou Deuses; quis dizer que havia um homem com uma Força de Vontade tão bem canalizada que, leal aos seus próprios sonhos de melhoria, desejou que uma montanha se movesse…

No processo de mover tal montanha, reflete sobre tantas variáveis cujo número é superior ao de estrelas no Céu – não somente se pergunta Como, Porque e Quando. A Fé Verdadeira demanda que você sempre pergunte-se muito mais, não por dúvida, mas por humildade e para um aprendizado constante. Este Homem sabe que um dia não era capaz de mover uma montanha de lugar, e começou com pequenos morrotes de terra, até que pudesse desenvolver uma crença maior em suas próprias capacidades – conquistada dia-a-dia – e tranformasse a si em algo realizador de maiores proezas.

E então, a cada grão de terra que move através de sua senda em mover a montanha, ele se perguntou, e se descobriu com as respostas que obteve e com os mistérios que não resolveu no processo. E ele também descobre, entorpecido de Felicidade, que ainda é tão imperfeito que, embora possa realizar tamanho prodígio, ainda assim, não foi capaz de criar uma cópia exata do que conseguiu mudar de lugar, mesmo que cada grão de terra e cada mínúscula rocha tenha sido transferida de um local ao outro.

De fato que agora as pessoas circularão mais livremente, a sombra projetada ao redor da nova montanha servirá melhor ao vale do que antes, a fauna poderá ter mais desenvoltura em sua vida e procriação, o ecossistema florescerá mais belo por causa do Homem de Fé…

Mas também é fato que, não somente a montanha que mudou-se de lugar já não é mais a mesma montanha, como também o Homem de Fé já não é mais o mesmo homem. Mudar o mundo consiste, necessariamente de que seja aceita a Regra Primeira das Reformas de que quando alteramos algo, nos deixamos ser alterados à mesma medida.

Em paz e renovado ele segue…

 

A Força.

 

Quantas rainhas dariam o lugar no trono pra serem você?

Não há um átomo de sua anatomia que minha língua não tenha percorrido, e nenhuma polegada de ti me escapa à memória. Minhas digitais podem recriar você de dentro pra fora de pura névoa ou de chumbo, tão precisamente quanto os deuses criaram as formas originais dessa escultura; teu corpo.

E o mesmo posso falar da tua alma; minha boca física e etérea conhecem todos os teus sabores únicos. Eu sei quando você irá se comportar como um morango de Outonos mais quentes, e sei quando você irá se comportar como um chocolate. Hoje portanto, não somente me excitam os antigos gostos teus, mas também as combinações que posso fazer de sabor e temperatura, misturando um néctar e outro dos vários produzidos pelo teu espírito.

Seus fios de cabelo negro refletem minha própria Escuridão, e portanto fruto da empatia mútua já têm a mim como confidente. Verdade é que o teu cabelo te trai, e quando você não diz toda a verdade só preciso alisar a tua cabeça pra que o resto das palavras que você guardou venha até mim, através do perfume que se espalha no ar.

Seus olhos sorriem sozinhos quando estou por perto. Desenvolvem luz própria como um pote de mel próximo a uma vela… E nem adiantaria você se levantar contra mim em discurso, retórica ou postura; seus olhos são meus. Seu olhar repousa seguro dentro do meu peito.

E sua boca… Como eu posso dizer tudo o que sua boca me evoca sem correr pelos trilhos da obviedade que todos os amantes percorrem? Seria demais dizer que todo o meu corpo, toda a grande dimensão que ocupo é serviçal apenas da tua boca? Eu diria que não, seria pouco. Eu desejo subjugar todo o Microcosmo do ambiente que estamos, só pra fazer sua boca sorrir e sentir-se só ela, Rainha. Anseio pelos teus dentes na minha pele, acompanhados de tua respiração arfante, assim como o antílope mais fraco anseia o leão em sua jugular, trazendo término à sua angústia e à caçada. E quando falo da tua boca, quero falar da umidade de todos os teus lábios, e do arco-íris de tons róseos e vermelhos, e do rio que faço deles brotar que hipnotizam-me recíprocos; tal qual a serpente e seu encantador.

Tua pele é minha verdadeira amiga. E é também a minha tela.

Tua pele é o cenário em branco onde minha língua, mãos e dentes são pincéis a desenhar e escrever, sob teu comando, toda a Paixão da humanidade contida nos breves centímetros entre nós. Lamber seu pescoço abaixo de tua orelha pra mim é a mais bela oração. Essa pele me atrai como a primeira folha em branco atraiu as primeiras letras, como o primeiro papiro atraiu os hieróglifos, como as paredes das cavernas atraíram as primeiras histórias. Não só o branco, mas também o macio dessa epiderme sagrada que te envolve me cercam, me domam, me elevam de demônio a Deus. E na rigidez de minha própria masculinidade só quero servir ao propósito de proporcionar prazer a ti.

Mas que eu diga acima de tudo, que minha alma ainda me pertence, mas que meu corpo pertence aos teus seios. Pois toda as tuas formas, todas as vezes que cravaste os dentes em mim, e todos sabores de tua alma são pequeninas pinceladas num quadro, ante o poder de encanto dos teus seios. Existe no rosa dos teus mamilos um cheiro, um perfume que ultrapassa o bouquet da mais rara safra de uvas, e na rigidez deles uma força que pode ensinar as montanhas mais antigas sobre resistência, e lições de conter o fogo e domar o vento.

Foi na maciez dos teus seios que encontrei mais respeito às espadas e às serpentes. No gosto raro deles em minha boca descobri calmante para minha alma, como se fosse possível apagar o Sol por alguns segundos; e fazer com que toda a galáxia saboreasse em uníssono o prazer de uma Noite…

Beijar teus seios é lamber tua alma, e nessa umidade, cada gota de saliva é uma constelação nova. Eu venero o que tuas camisas e camisetas escondem do mundo; além de teu coração, a pele e as formas que o recobrem…

E então… E qual mulher não queria estar onde estás; senhora de tão potente devoção como a minha?

Qual presa não gostaria de tornar-se senhora do predador?

…De todas as magias possíveis, menina, você executa a mais poderosa; me convencer de que eu não sou feito de Aço.

O Diabo.

 

Sozinha no quarto ela usa sua camisola de seda, já com as luzes apagadas se deita na cama.

Tenta observar o ventilador em seu compasso lento, tendo apenas a luz fria da tela do computador com o papel de parede escuro. A noite sem lua deixa tudo bem compacto aos seus olhos, e algumas vezes tem a impressão de que a hélice some de sua vista, reaparecendo milésimos de segundos depois. Esse jogo de luz a hipnotiza, e em poucos minutos ela se deixa levar pelo peso das pálpebras já maquiadas, no intuito de seduzir… Seduzir… Ele.

De olhos fechados ainda está consciente, mas com os pés já dançando no belo gramado coberto de névoa que separa o mundo acordado do mundo de Morfeu. Descobre que a janela entreaberta de seu quarto deixa entrar uma brisa fria pela mínima fresta, mas se recusa a abrir os olhos e deixar de valsar sozinha pela relva enevoada.

Sente que a brisa toca-lhe o corpo como se fossem mãos de um fantasma libidinoso e sorri. Lembra-se Dele, e lentamente, contrapondo o frio, de seu ventre origina-se o calor concentrado de uma lareira recém-acesa; longe de ser uma fogueira que possa fazer frente à brisa, mas com a promessa nítida de atingir esse status.

Questiona-se ‘porque algo que soa tão errado parece tão bom?‘. Todo seu íntimo entrou em conflito quando viu seu professor pela primeira vez – o homem dos olhos dourados – e uma vez em sua presença, pouco dava atenção à aula, exceto quando Ele escapava do cenário principal e destilava, disfarçado, um pouco de veneno em forma de pensares.

Amava quando ele dizia que viveu por todos os tempos de antes e depois do Tempo ser criado. Gostava de ouvir fábulas da Aurora do Tempo, quando Ele se colocava como observador das coisas primeiras…

Eis que domino várias línguas, para subjugar vários homens – dizia Ele – de níveis de consciência variados. E por isso disseram que ‘a serpente de língua bifurcada tem a fala de reis e plebeus’ em Evangelhos antigos e já perdidos…

Ao lembrar dessas palavras ela podia jurar que aqueles olhos dourados ardiam em brasa e delirava, contorcendo-se por dentro para não dar vazão física da carga de volúpia que esse discurso nela produzia. Mas a brisa e seus dedos fantasmagóricos já caminhavam por seu corpo quase soberanos, e ela sabia que hora ou outra cederia à Força Intrusa do ar gélido e lascivo…

Lembrou-se de quando Ele disse em segredo, que de suas alunas ela era a sua preferida para conversas pós-aula:

-Porque eu converso com os outros, mas eles dormem, sabe? Verdade que os adoro, pois são verdadeiros, já que os que dormem respondem mais sinceros – mas seu olhar acordado me deleita muito mais…

E essa outra lembrança levou suas travas para longe. Já não conseguia mais se negar, e seus dentes mordiam os lábios deixando os gemidos entrecortados, enquanto que outros lábios inundavam-se e lentamente se entumesciam, deixando úmido o fino pedaço de algodão que separava sua pele mais rósea da seda fina de sua veste noturna. O calor em seu ventre, agora sim, era fogo-fátuo que lhe percorria o corpo e trancava no passado o efeito da brisa fria – senão pelo deleitador contorno de mãos desejosas de percorrerem toda sua anatomia, e talvez sua alma. O compasso de seu fremer acompanhava a hélice do ventilador, e ia-se aumentando enquanto os gemidos escapavam pelos cantos de sua boca mordida com Paixão. Sentia como se mãos verdadeiras penetrassem, ardilosas e amáveis, sua cavidade de mulher; intermitentes, potentes, másculas, lascivas. Abriu os olhos com violência. Então, por fim, imaginou os olhos dourados Dele a observando… Desfez-se em puro orgasmo!

Minutos depois, ainda não conseguia falar, embora tentasse só lhe saíam da boca sussurros. Quis gritar de euforia, mas sua alma ainda estava em pedaços pelos cantos do quarto escuro, como brasas da fogueira que foram, queimando em prazer por seus últimos instantes. Olhou para o teto e esperou seu corpo e seu espírito tornarem-se de novo unidos, antes de se levantar. Enquanto isso vinha aos poucos, levou suas mãos ao alcance de sua vista e quedou-se admirada; seus dedos estavam úmidos. Ela sorriu.

Não teria sido tão bom se fosse mesmo a brisa a me tocar – disse em voz alta. Levantou-se de leve, arrumando os cabelos, e olhando-se no reflexo um tanto opaco do vidro da janela, percebeu quando um carro chegou aos portões de seu prédio; era Ele.

Respirou fundo e saiu correndo para colocar o vestido antes que ele chegasse, e lançando mão da presteza feminina, procurava nas sombras tanto o interruptor quanto o vestido. Achou a luz e depois o frente-única vermelho que lhe realçava a pele branca e os cabelos loiros longos. Sentiu-se cliché por um segundo, mas a campainha lhe cortara o pensamento. Numa segunda respirada forte, colocou a barriga pra dentro, estufou os seios e atendeu a porta.

Era o homem de olhos dourados; seu Mestre.

Vestia um terno impecável e trazia numa mão uma garrafa de algo que não lhe importava. Na outra mão, um conjunto de taças e uma única rosa vermelha – uma planta que ela ODIAVA. Mas hoje, tudo lhe causava emoções fortes e… positivas. Lançou-se à rosa e agarrou com força, fazendo os espinhos perfurarem sua mão. Ele sorriu, e disse:

-Sabia que fui eu quem inventou os espinhos?

-Não duvido… – respondeu a mulher.

-Posso entrar? – perguntou ele, já entrando e tirando o terno, à vontade como se fosse hábito estar lá, embora fosse a primeira vez que se viam fora da sala de aula.

-Laissez-faire – respondeu ela em francês impecável, e depois traduziu seu pensamento – já entrou faz tempo…

Olharam sérios um para o outro. A lâmpada queimou. Sorriram baixinho…